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Masacre de campesinos e impasses de la reforma agraria
Marcos Helênio Pena: "os acampados estavam em situação legal"
Luís Brasilino
Correio da Cidadania
O Correio da Cidadania traz nesta edição entrevista com o superintendente do INCRA em Minas Gerais, Marcos Helênio Pena. Ele comenta o massacre de Felisburgo (MG), no dia 20 de novembro, onde cinco trabalhadores sem-terra do MST foram assassinados e fala da ineficácia dos instrumentos públicos para construir um programa de reforma agrária no Brasil.
Correio da Cidadania: Como era a situação do acampamento Terra Prometida, de Felisburgo (MG)?
Marcos Helênio Pena: A situação dos acampados na fazenda Nova Alegria era de legalidade. Eles estavam autorizados por meio de uma decisão do juiz da Vara de Conflitos Agrários, Renato Dresch, que não deu a reintegração de posse. Além disso, o Instituto de Terras fez uma levantamento constatando que, pelo menos, um terço da fazenda era de origem devoluta.
CC: Como era a segurança no local?
MHP: Em Felisburgo, o proprietário, por diversas vezes, tentou intimidar os acampados. As ameaças passaram a constituir um inquérito policial. No entanto, sua conclusão não foi no sentido de pedir a prisão das pessoas que estavam fazendo as ameaças. O Ministério Público, por meio da Coordenadoria de Conflitos, pediu e cobrou da polícia mais rigor na apuração dessas denúncias; até prevendo que poderia haver um desfecho causando mortes.
Tenho convicção de que toda área onde há tensão e conflito pela posse da terra deve ser objeto de um acompanhamento mais rigoroso por parte da polícia. Quando é anunciado que os sem terra possuem armas é autorizado um mandado de busca e apreensões e como havia também indícios de que os representantes dos proprietários também portavam armas, o certo seria fazer um acompanhamento do que estava acontecendo. Acho que toda área que tem essa tensão e que não fica aguardando uma decisão judicial, mas é agitada por meio de pressão de milícia armada ou contratação de jagunço, é merecedora de mais atenção. Por exemplo, há pouco tivemos, próximo a cidade de Pirapora (MG), uma ameaça numa área em que o Incra está em processo de desapropriação. Os fazendeiros tinham contratado milícias armadas e a Polícia Federal conseguiu prendê-los. Evitou-se, assim, a possibilidade de haver uma matança como a de Felisburgo. Tanto Polícia Federal quanto Civil, deveriam agir com mais rigor quando existem várias denúncias de ameaça.
CC: Na sua opinião, houve omissão do poder público em Felisburgo?
MHP: A dificuldade de acompanhar os casos pode ter provocado essa falta de policiamento. É evidente que poderia ter havido mais rigor na apuração das denúncias já mencionadas, no sentido de ir ao encalço daqueles que estavam fazendo as ameaças. Nesse caso, a prisão preventiva dessas pessoas já poderia ter sido solicitada.
CC: E por que isso não aconteceu?
MHP: Nossos órgãos de segurança padecem muitas vezes de uma melhor estrutura para poder fazer diligências, investigações etc.
CC: Por que as 100 famílias do acampamento ainda não foram assentadas?
MHP: Quando há uma área com indício de que ser devoluta, a competência de entrar com uma ação passa a ser do estado, no caso, do estado de Minas Gerais. E, por meio do Instituto de Terras, ele entrou, mas ações costumam ser demoradas. O Instituto de Terras fez um estudo da origem da área e procurou entrar com a ação competente, a chamada "ação discriminatória", mas como essas ações são lentas, a arrecadação dessa área ficou difícil. No caso do acampamento Terra Prometida, o Incra não poderia fazer desapropriação.
CC: É mais um problema da estrutura institucional brasileira?
MHP: Tem o lado do Executivo, que não tinha o aparelhamento adequado. Muitas mortes anunciadas acabam ocorrendo mesmo quando existem indícios de que elas vão acontecer. Segundo, a lentidão em determinados procedimentos judiciais acaba gerando problemas. Em Minas, na história de análise desses processos de ações discriminatórias, não existe uma cultura de agilidade. É uma raridade entrar um processo, apesar da grande quantidade de terras devolutas no estado. Só existe um procurador dedicado a essa causa e fica difícil cuidar das terras devolutas de todo o estado.
CC: O que está por trás dessa lentidão?
MHP: Não há prioridade, por parte do governo do estado, em atender essas questões sociais e resolver problemas de terra, principalmente nas disputas daquelas que são públicas. Ele pensa que a competência de reforma agrária é só do governo federal e ponto final.
CC: O desenrolar legal de Felisburgo será lento como foi o do massacre de Eldorado dos Carajás (PA)?
MHP: Acredito que não. Com a reação e a comoção mundial que tivemos, tudo será agilizado. E tenho que fazer um elogio aos delegados que foram designados, agora, para o caso. Eles são os melhores quadros da Polícia Civil. É importante e fundamental haver uma prisão rápida dos mandantes e dos executores do crime. Já quanto ao julgamento, não posso fazer uma avaliação, mas tenho a convicção de que a prisão será imediata.
CC: Como está a situação no acampamento?
MHP: O quadro é de desolação, mas a recuperação dos bens e as condições para os acampados voltarem à área estão sendo proporcionadas pela sociedade e por autoridades. Há também um clima de cobrar punição rigorosa. Vi que existe uma mobilização no sentido de executar as prisões e dar condições para que o processo de recuperação dessa área pelo Estado seja mais rápido.
CC: Como o senhor avaliou o estado de ânimo das pessoas?
MHP: Se num primeiro momento, o sentimento era de comoção, abatimento e tristeza; logo em seguida, isso foi transformado numa proposta de resistência e simbologia da necessidade de ampliar a ação do movimento. Então penso que eles reagiram de forma até rápida, não sentiram que deveriam se afastar da luta. Pelo contrário, o tiro saiu pela culatra e eles vão fazer lá um marco de resistência.
CC: Rolf Hackbart, presidente do INCRA, acusou o agronegócio de ser o culpado do massacre de Felisburgo. O senhor concorda?
MHP: Posso dizer que o agronegócio é inimigo da reforma agrária. Para seus defensores, a reforma agrária é inviável, improvável e prejudicial para o país. Por exemplo, no norte de Minas, os grandes produtores constituíram um consórcio de advogados para combater as ocupações e comandar reintegrações de posse. No Vale do Rio Doce, os produtores rurais criaram um movimento de defesa da propriedade. Agora, não posso dizer que estão vinculados a esse crime.
CC: Qual sua avaliação sobre a reforma agrária em Minas Gerais sob o governo do presidente Lula?
MHP: Pegamos o INCRA desestruturado, com baixo nível de motivação, quadro reduzido e sucateado. Por conta disso, a demanda reprimida era muita alta. Começamos a mudar as normas, elaboramos um plano de carreira, um concurso para criar mais 4.500 cargos e temos um orçamento maior (o orçamento este ano foi quase o dobro de 2003). Na minha opinião, esse governo mostrou mais motivação e sensibilidade. O primeiro ano (2003) foi muito amarrado, por conta da falta de recursos. Já 2004 foi um ano de muitos resultados. Conseguimos um recorde de decretos de desapropriação – vamos chegar próximo a 40, sendo que, em 2003, foram sete; fizemos muitos acordos de áreas que estavam, há muito tempo, com demanda judicial, dentre outras. Quer dizer, foi um ano de resultados muito positivos, mesmo estando aquém da necessidade.
CC: O que devem fazer os movimentos nesse contexto?
MHP: Os movimentos devem continuar, cada vez mais organizados, cobrando mais recursos do governo federal e buscando fortalecer a estrutura do INCRA; e, do governo do estado, pressionando para a seqüência das ações dessas terras devolutas, já que o poder estadual pode colaborar com o federal cedendo as terras que foram ocupadas irregularmente por latifundiários.
CC: Como evitar a repetição de crimes como o de Felisburgo?
MHP: Os governos federal e estaduais têm que se unir para contribuir na desapropriação e na aquisição de áreas para a reforma agrária. Além disso, a questão da segurança pública desses conflitos deve ser ampliada. Já se falou (há uma proposta de emenda constitucional) em criar uma justiça agrária com tribunais específicos. Precisamos dar uma estrutura maior para que o Poder Judiciário e o Executivo sejam mais bem preparados para enfrentar uma política agrária. Mesmo porque o Brasil é um dos últimos países a falar nisso. Também é necessário mudar a legislação do país.
Correspondencia de Prensa