6 de diciembre del 2002
Trégua Zero
João Pedro Stedile e Frei Sérgio Gorgen
MST
Nas últimas semanas a imprensa tem se dedicado a pautar toda e
qualquer iniciativa que o governo Lula sinaliza. A que mais destaque recebeu
foi o anúncio da prioridade em torno do programa da fome.
Nada mais justo e importante. A sociedade brasileira é a mais desigual
do mundo, segundo as estatísticas da ONU. Portanto, a mais injusta. É
o lugar do nosso planeta onde existe mais diferença entre os ricos e
os pobres. Nenhuma outra sociedade é tão perversa.
A pobreza e a desigualdade social são um flagelo que dizima, de mil e
uma formas, milhões de brasileiros impedidos de se realizarem como cidadãos
e sobreviverem como pessoas. Milhões de brasileirinhos não têm
sequer o direito de serem adolescentes. Morrem antes.
E essa perversidade se agravou nos últimos 10 anos com a adoção
de um modelo neoliberal, que trouxe ainda mais desigualdade social e aumentou
de 32 para 56 milhões o numero de brasileiros que se alimentam aquém
das necessidades.
Mas ''a fome é apenas uma manifestação biológica
provocada por uma causa política, que são as estruturas injustas
da sociedade'', já havia nos ensinado na década de 50 o grande
mestre Josué de Castro, primeiro presidente da FAO (organismo da ONU
para alimentação e agricultura).
Ouvir, agora, do nosso presidente Lula o compromisso de que seu governo vai
priorizar o combate a fome é uma demonstração clara de
que finalmente teremos um governo comprometido em atacar o pior e mais grave
problema de nossa sociedade: a pobreza e a desigualdade social!
Os movimentos sociais que compõem a Via Campesina Brasil, como o MST,
o MPA (Movimento de Pequenos Agricultores) o MAB (Movimento dos Atingidos por
Barragens), o movimento das mulheres rurais, com apoio das pastorais sociais
das igrejas cristãs, nos sentimos plenamente identificados e regozijados,
porque o objetivo final de nossos movimentos é, em outros termos, eliminar
a pobreza e a desigualdade social no meio rural.
O programa Fome Zero apresentado pelo programa de governo é uma bela
proposta. Amplo, evoca a necessidade de políticas de caráter estrutural,
como a reforma agrária e a distribuição de renda; políticas
específicas, como atendimento emergencial de cestas básicas; e
políticas locais, que envolvam toda a sociedade no combate à fome
e à pobreza. Estranhamente, muitos setores da imprensa preferiram criar
uma falsa polêmica, debatendo apenas a utilidade de uma possível
distribuição de cupons. Talvez tenham feito isso justamente para
evitar o debate com a sociedade sobre as verdadeiras causas da fome, da pobreza
e da desigualdade social, que são os 500 anos de dominação
de uma elite despudorada e sem nenhum compromisso com o povo brasileiro.
Os movimentos sociais que pertencemos à Via Campesina estamos apoiando
plenamente esse compromisso do governo Lula, de colocar como prioridade o combate
à fome. Não só apoiaremos, mas nos engajaremos, contribuindo
de todas as formas possíveis para combater as causas da pobreza e da
fome, que são o latifúndio e o modelo neoliberal na agricultura.
Em nossos movimentos atuaremos para que se acelere a reforma agrária,
se fortaleçam a agricultura familiar, as cooperativas, as pequenas e
médias agroindústrias, e que se reorganize a produção
agrícola de alimentos e para o mercado interno.
De nossa parte não haverá trégua, nem um minuto de trégua,
contra as causas da pobreza, da fome e da desigualdade.
João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, e Frei
Sergio Gorgen, da direção do MPA, integram a Comissão Nacional
da Via Campesina Brasil.