"Não cairemos em provocações".
Entrevista € João Paulo Rodrigues € da coordenação nacional
do MST Carla Lisboa € Equipe GH € Brasília.
Com milícias paramilitares fortemente armadas e setores da Justiça
sob sua influência, latifundiários organizados em movimentos ultraconservadores
mancham a história do Brasil promovendo ameaças, prisões
e assassinatos de trabalhadores rurais ligados aos movimentos populares.
A violência, agora com novos requintes de crueldade e munida de aviões
para deslocamento rápido das milícias pelo território nacional,
atinge desde trabalhadores rurais, como os ligados ao Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), até agentes da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), entidade da Igreja Católica que denuncia a manutenção
de trabalho escravo nos grotões do país.
Nos últimos seis anos, nove entre cada dez vítimas de assassinatos
na área rural estavam ameaçadas de morte e não receberam
proteção policial. É o caso do líder do MST, José
Rainha, que teve de andar armado para se proteger, razão pela qual foi
condenado a quase três anos de prisão, e de outros 11 presos por
militarem no MST só do Pontal de Paranapanema, em São Paulo.
Foto: Jorge Cardoso.
Além das prisões injustificadas, contabiliza-se o recrudescimento
da violência promovida pelos latifundiários diante da possibilidade
de o governo Lula fazer uma reforma agrária no país. Nos primeiros
seis meses deste ano, 40 trabalhadores rurais engajados no movimento dos sem-terra
foram executados e até hoje não houve uma condenação
por essas mortes. O objetivo é claro: inviabilizar o governo de Lula
com o acirramento do conflito no campo e, ao mesmo tempo, intimidar os mais
de 40 movimentos de trabalhadores rurais que lutam pela reforma. Nesta entrevista
exclusiva ao Guevara Home, o coordenador nacional do MST, João Paulo
Rodrigues, faz uma avaliação do momento político, da violência
no campo, chama o presidente Lula de amigo e mostra confiança na reforma
agrária.
a entrevista GH: Como você avalia a situação dos sem-terra
hoje no Brasil?.
João Paulo Rodrigues: Para analisar a situação dos sem-terra
hoje temos de voltar uns dias atrás e avaliar rapidamente o governo Fernando
Henrique Cardoso. Nós tivemos, infelizmente, oito anos de governo neoliberal
que influenciou muito na questão agrária e na política
no Brasil. Nesse período houve uma prioridade por parte do governo federal
em dar grande incentivo para o agrobusiness. Com isso houve grande concentração
de terras e se incentivou a monocultura para exportação e, dentre
as monoculturas, as únicas que tiveram ajuda foram a soja e a cana-de-açúcar.
Do outro lado, houve o enfraquecimento claro da agricultura familiar e da pequena
agricultura e poucas políticas que pudessem enfrentar o latifúndio
improdutivo e fazer o assentamento e a reforma agrária. Nesse sentido
é que, nos dois mandatos de FHC, se assentou 350 mil famílias.
No entanto, nesse mesmo período, foram embora do campo, expulsos pelos
latifúndios, 950 mil pequenos agricultores. Ou seja, ao mesmo tempo em
que ele assentou, foram embora do campo três vezes mais do que a quantidade
assentada.
GH: No que resultou essa política do governo FHC?.
João Paulo Rodrigues: Isso foi grave. Aumentou a concentração
de terra e diminuiu a quantidade de pessoas no campo. Diminuiu de 21% para 18%
da população. Isso é um número significativo quando
se fala em uma população de mais de 170 milhões de habitantes.
Isso em virtude do incentivo ao agrobusiness. O governo criou dois ministérios,
o da Agricultura e o do Desenvolvimento Agrário, nos quais era clara
a política de incentivo dos grandes latifúndios.
GH: Então o presidente Lula assumiu o governo com uma situação
no campo muito pior do que quando FHC assumiu o poder?.
João Paulo Rodrigues: O Lula assume o governo nessa situação:
60 mil famílias acampadas, fruto do fato de nos últimos três
anos o governo FHC não ter feito nenhuma política de assentamento
e ao mesmo uma repressão significativa aos movimentos sociais. Uma vez
que Lula assume a Presidência, surge a esperança de que vai haver
reforma agrária no Brasil, o que não foi feito em 500 anos. Nesse
sentido foi que, do ponto de vista positivo, houve uma grande quantidade de
pessoas indo para os acampamentos, o que dobrou a base que tinha no início
do ano do MST: há hoje 125 mil famílias acampadas.
Foi o resultado da esperança da reforma agrária. E isso sem que
houvesse novas ocupações, porque não é verdadeira
a afirmação de que o MST ocupou mais. O MST ocupou como no ano
passado, porém aumentou a quantidade de família nessas ocupações
e novos movimentos se formaram. Hoje há mais de 46 movimentos de camponeses
no Brasil. Um dia desses era só o MST, hoje são mais de 40.
GH: O MST acredita então que o governo vai fazer a reforma agrária?.
João Paulo Rodrigues: Nós do MST acreditamos que, em função
dessa grande expectativa que se criou na sociedade, vamos avançar na
reforma agrária tranqüilamente. Por outro lado, como a elite brasileira
é muito reacionária e tem em mente que a propriedade privada é
o 11º mandamento da lei de Deus, ela construiu uma orquestração
significativa, principalmente após o Lula ter ganho a eleição
e ter recebido os sem-terra e dito que ia fazer a reforma agrária. Com
isso, essa elite criou rapidamente uma unidade significativa, talvez nunca vista
nos últimos anos, que foi o latifúndio improdutivo e suas milícias
armadas com setores ligados a governos estaduais, os quais são do PFL
ou PSDB. Eles vêm de São Paulo, Piauí, Mato Grosso, Pará,
Sergipe...
São estados em que a oposição ao governo Lula é
mais forte e onde a oposição está governando, juntamente
com setores do Judiciário, em que vemos nítida a oposição
ao governo federal e quase todos os setores dos meios de comunicação.
GH: Mas essa união já existe desde que se falou em reforma agrária
no Brasil pela primeira vez, não?.
João Paulo Rodrigues: Houve essa junção que não
havia há muito tempo.
Havia setores que batiam no MST, mas não com essa unidade para dizer
à população brasileira que Lula corre o risco de fazer
a reforma agrária e os sem-terra querem terra mesmo... Então vamos
dar um jeito de parar com isso. Porque historicamente quem sempre coordenou
a repressão ao movimento popular foi o Poder Executivo. Quando se tem
essa possibilidade de se fazer uma reforma agrária, os dados são
surpreendentes. Esse ano já foram assassinados 25 companheiros. Temos
hoje mais de 28 pessoas presas em todo o Brasil, dentre elas a condenação
explícita de perseguição política ao José
Rainha, que está com duas condenações mais uma prisão
preventiva, a prisão de Diolinda, a esposa de Rainha. E não é
só ele. Há sete presos no estado de Sergipe, cinco mandados de
prisão preventiva no estado do Paraná , 13 condenações
no estado de São Paulo, quatro presos no Mato Grosso do Sul, seis presos
na Paraíba e posso ficar aqui e dizer para vocês quantos presos
existem em todo o país.
GH: Está havendo uma repressão por parte da Justiça?.
João Paulo Rodrigues: Acho que não podemos dizer que é
a Justiça, mas setores da Justiça e algumas Comarcas e Tribunais
de Justiça mais locais sobre os quais as oligarquias ainda têm
grande influência. Isso é nítido.
Nós não queremos achar que é uma posição
da Justiça como um todo. O TJ e o Supremo aqui em Brasília têm
nos ajudado, o Superior Tribunal de Justiça também tem mantido
uma posição de respeito aos sem-terra, mas até essas causas
nas Justiças locais chegarem aqui demoram mais de meio ano e isso se
reflete no Congresso Nacional, como o pedido de Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) contra os sem-terra.
GH:A mídia oficial está tentando criminalizar o movimento?.
João Paulo Rodrigues: Sim. A imprensa tem tentado criminalizar. Isso
faz parte dessa orquestração. Porém, com tudo isso, o MST
ainda acredita que nós podemos fazer, sim, um programa de reforma agrária
no governo Lula nunca visto na história do Brasil. Talvez não
o programa de reforma agrária que o Brasil precisa, mas podemos dar um
salto de qualidade significativo, coisa que nunca fizemos. De um modo geral,
esse é o quadro da situação agrária no país.
GH: Quantas ocupações de terras têm hoje no país?.
João Paulo Rodrigues: É difícil dar esse dado porque existem
fazendas que estão ocupadas e outras que foram ocupadas, mas que as famílias
saíram imediatamente. Então nós trabalhamos com dados de
quantas foram ocupadas.
Necessariamente essas fazendas não estão com ocupações,
muitos foram despejados, outros mudaram. Dados mostram que 140 fazendas foram
ocupadas este ano. Do MST, acredito, foram cerca de 75 fazendas, As demais são
dos outros movimentos.
GH: Esse quadro, mais o da repressão, mostra que, de certa forma, está
fazendo o presidente Lula recuar. Ele tem sido acusado por alguns setores da
esquerda de traidor. O que vocês esperam do governo federal quanto à
reforma agrária?.
João Paulo Rodrigues: Em primeiro lugar, nós temos de avaliar
o governo Lula. Nós não entendemos o governo Lula como traidor.
Nós entendemos que o governo Lula, em razão das alianças
formadas para se eleger, não é um governo do Partido dos Trabalhadores
(PT). Então, não dá para cobrar o que eles não podem
dar. Para nós do MST isso está muito claro. Nós entendemos
que esse governo tem três características: é um governo
de composição nacional, ou seja, tem gregos e troianos lá
dentro, é uma arca de Noé e não é de governo,
foi para ganhar o governo. Portanto, os acordos têm de ser assumidos.
Isso não significa que o MST concorde, porém é assim: para
ganhar fizeram uma composição e para governar mantêm a composição.
Ponto.
GH: E o MST concorda com isso?.
João Paulo Rodrigues: Não. Nós achamos que o PT tinha condições
de, nessa eleição, não precisar fazer uma aliança
tão ampla. Porém ele fez e tem de cumprir os acordos. O governo
tem ainda uma segunda característica. É um governo de transição
de um modelo neoliberal, entreguista, puxa-saco do império norte-americano
feito pelo governo de Fernando Henrique Cardoso que agora o governo Lula se
propõe a mudar e temos o exemplo da política externa de Lula,
que tem sido muito boa. Contra a guerra, contra a implantação
da ALCA. A ALCA não deve ser assinada. Porém, na área econômica
o governo tem sido um desastre. É a continuidade da política neoliberal
em vários aspectos. Mas não podemos dizer que todo o governo vai
para a lata de lixo.
GH: E qual a terceira característica?.
João Paulo Rodrigues: Trata-se, por último, de um governo de disputa.
Por essas duas características anteriores, é um governo de disputa.
Entendemos que o diferencial desse governo será o povo organizado e não
a disputa de cargos dentro dele. E se tiver povo organizado mostrando as demandas
sociais, esse governo, não tenha dúvida, não vai nos trair.
Portanto, nossa tarefa principal como movimento social é organizar os
trabalhadores para que vão aos acampamentos lutar pela reforma agrária.
E acho que os demais setores da sociedade deveriam cumprir essa função.
Os desempregados lutar por emprego, os sem escola lutar pela educação,
os sem saúde lutar por saúde e assim por diante, mas tem de ser
organizado.
GH: Por quê?.
João Paulo Rodrigues: Porque ele tem de ter claro que vai disputar contra
a direita atrasada, contra o império norte-americano e contra outros
setores da sociedade que compõem o governo e que nunca tiveram o compromisso
de lutar pela terra. No entanto, o governo continua tímido na reforma
agrária porque, além de ter as limitações de ordem
orçamentária, ainda não se definiu a meta que será
adotada nos próximos quatro anos. Não se sabe se vai ser ousada,
radical, ou se vai ser uma meta que resolva os problemas sociais no Brasil Esta
última entendemos que não vai resolver o problema, porque se assentar
no Pontal de Paranapanema e assentar no Pernambuco vai fazer o que o governo
FHC fez em oito anos. A proposta do MST é assentar um milhão de
famílias nos quatro anos.
GH:Mas isso não vai custar muito dinheiro?.
João Paulo Rodrigues: Para assentar um milhão de famílias,
o governo vai gastar R$ 13 bilhões. Só o que o governo mandou
para os Estados Unidos para pagamento de dívida externa do país
cobre esse valor várias vezes. O governo mandou para os banqueiros internacionais
este ano R$ 60 bilhões. Portanto, se o governo libera RS 13 bilhões
para, em quatro anos, fazer o maior programa de reforma agrária que já
houve no Brasil, isso seria fantástico.
O governo não diz que sim nem que não. Eles estão elaborando
um plano, que eles chamam de Plano Nacional de Reforma Agrária, que é
coordenado pelo professor Plínio de Arruda Sampaio e, por isso, acreditamos
que em meados de outubro deve ser lançado esse plano. Entendemos que
deve ser um plano ousado.
GH: Enquanto isso, o que vocês vão fazer?.
João Paulo Rodrigues: Enquanto isso a nossa tarefa é organizar
os povos do campo para lutar pela terra.
GH: Como é que vocês estão vendo essa situação
lá em São Paulo com a prisão do Rainha, da Deolinda...
Que atitudes o MST pretende tomar?.
João Paulo Rodrigues: O Pontal não é nada de novidade.
É uma situação que já se tornou histórica.
Meu pai está sendo procurado pela polícia que prendeu o José
Rainha. Ele é da direção. O nome dele é Valmir Rodrigues
Chaves, o Bil.
Eu sou de lá. Minha vida toda foi no Pontal.
GH:Qual é a situação real do Pontal do Paranapanema?.
João Paulo Rodrigues: O Pontal tem uma história atípica
porque em 1946 iniciou o processo de grilagem das terras daquela região.
Era um parque florestal e dois fazendeiros resolveram ir lá e grilar
duas fazendas. O Pontal, todo ele, que é formado por 32 municípios,
se tornou duas fazendas.
Eles tomaram conta e montaram suas fazendas. Com o passar do tempo, com a abertura
de rodovias, em especial pelo grupo Camargo Correia, foram para lá e
levaram pessoas para construir as três usinas hidrelétricas que
existem e se povoou a região. Ao mesmo tempo, aumentou a quantidade de
latifúndios improdutivos que atingiam todos os estados. E essas famílias
que foram ajudar na construção das barragens e foram permanecendo
no lugar em cada barragem tinha 15 mil pessoas quando acabou a obra foram
atingidas pelo desemprego.
GH: Foram essas condições que transformaram o Pontal num barril
de pólvora?.
João Paulo Rodrigues: Sim. Juntou a concentração de latifúndios
improdutivos, que são terras do Estado, com essa mão-de-obra que
estava lá na região, situada na divisa de São Paulo com
Paraná e Mato Grosso do Sul, e iniciaram-se os primeiros conflitos de
terra e as ocupações. O assentamento do qual eu e meu pai fazemos
parte é de 1983. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
chegou lá em 1990. José Rainha, Diolinda e outros chegaram lá
depois. É bem verdade que há uma paranóia divulgada pelos
meios de comunicação de que, se se assentar o pessoal do Pontal,
o mundo vai acabar. Porém, no Pontal nenhum sem-terra ou fazendeiro foram
assassinados.
Lá o conflito não chega no nível que já chegou no
Pará ou no Paraná, por exemplo, estados onde a situação
é muito pior. O Pontal ficou famoso pela figura de José Rainha
e de outros companheiros, porém hoje a situação está
mais delicada porque, além de enfrentar o latifúndio, a Comarca
da região está com um juiz reacionário e conservador, que
representa as oligarquias e o latifúndio da região. O nome dele
é Átis Araújo de Oliveira. Ele mandou prender o Rainha
e já fez 34 prisões que foram revistas.
GH: Esse juiz representa mais uma preocupação do MST?.
João Paulo Rodrigues: Sim. Há uma preocupação ao
lidar com esse juiz. O latifúndio continua armado, a atuação
da União Democrática Ruralista (UDR) é um assunto delicado,
porém há quase seis mil famílias acampadas lá hoje.
Essa é a preocupação que estamos tendo por lá.
GH: Como vocês estão resolvendo o problema da milícia dos
latifundiários?.
João Paulo Rodrigues: Historicamente no Brasil a luta pela terra foi
sangrenta. Muita gente morreu, foi assassinada ou pelo Estado, como é
o caso de Eldorado dos Carajás, no Pará, em que a própria
Polícia Militar foi lá e matou os sem-terra, ou pela milícia
paramilitar. E todos os movimentos que lutaram pela terra no Brasil foram massacrados
e não conseguiram fazer a reforma agrária. Poucos conseguiram
chegar no ponto em que o MST chegou hoje, que é um movimento nacional,
com 20 anos de idade, com a radicalidade e a seriedade sem que houvesse três
itens clássicos que a direita costuma utilizar para acabar com os movimentos
sociais, que é o processo de cooptação de lideranças
eles compram, trazem para dentro do movimento e outros recursos mais; processo
de divisão interna gerar cisões internas para que ele por si
só se acabe; e o terceiro, que é a repressão, e essa está
ligada ao Estado e seus aparatos e os paramilitares. No entanto, durante a trajetória
de existência do MST nós tivemos situações complicadas,
principalmente entre 1980 e 1989. Em especial nos estados do Norte, onde havia
muitos grupos armados de paramilitares. Isso sempre foi um problema para nós.
O Norte ainda continua vivendo essa situação com grupos armados,
a metade do Centro-Oeste, talvez.
GH: E qual é a novidade então?.
João Paulo Rodrigues: A novidade é que esses grupos estão
atuando e aumentando a quantidade de gente em todo o território nacional.
E mais: eles se organizam em três ou quatro movimentos dos ruralistas,
que é a UDR, que atua principalmente no Paraná e em São
Paulo; no movimento nacional de produtores, chama-se SINAPRO Sindicato Nacional
de Produtores Rurais que tem um sujeito chamado Narciso, um louco que vive
nos xingando e tem 16 associados; e o outro é o Movimento Nacional dos
Produtores (MNP), que está principalmente no Paraná e em Mato
Grosso do Sul. E mais outros, como a FARSUL (Federação dos Agricultores
do Rio Grande do Sul), que atua naquele estado e que é extremamente truculenta.
Há ainda setores reacionários no Pará.
GH:Qual é a diferença entre esses movimentos atuais e os antigos?.
João Paulo Rodrigues: Esse poucos movimentos organizados dos latifundiários
existentes têm uma estrutura significativa porque eles deslocam grupos
paramilitares para o Pontal de Paranapanema, dali para o Pará, do Pará
para o Paraná e aí aparenta que são vários grupos.
Mas não são. Trata-se do mesmo grupo que faz esse movimento para
dar a impressão de que eles existem em todo o país. Na verdade,
o que eles têm é um aparato de avião. A maioria das fazendas
não tem esse tipo de grupo. Em São Paulo, no Pontal, eles formaram
um grupo, mas eles têm aviões e muita arma e assim eles se deslocam
rapidamente ali naqueles municípios todos. Se precisar de ir a outra
cidade, têm aviões.
GH:Isso não é sinal de mais uma grave preocupação
para os sem terra?.
João Paulo Rodrigues: Há sim uma preocupação, mas
porque eles têm em mente que não têm nada a perder. Se tiver
de matar eles matam mesmo. Eles têm muitas armas. Há indícios
significativos de que eles têm influência e relação
com o tráfico de armas. Há aeroportos clandestinos dentro das
fazendas e ninguém vai lá averiguar. É complicadíssima
a situação.
GH:Como é que a Justiça prende um sujeito como o José Rainha
por porte de arma, condena-o a dois anos e oito meses de prisão e não
há uma busca de armas nesses grupos?.
João Paulo Rodrigues: Essa é uma pergunta que nós tentamos
responder diariamente e não conseguimos até agora. Não
se acha justificativa. Por que não prendem os grupos paramilitares? Aqui
do lado, em Buritis, do lado da fazenda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
grupos paramilitares continuam armados. Agora tem lá um novo fazendeiro
que inventou uma nova moda: ele pega um avião já fez o primeiro
teste e gostou com um botijão de gás a bordo e de lá
de cima solta o botijão de gás cheio. O botijão explode
no impacto, faz uma enorme cratera no chão. E agora ele começou
a ameaçar. É o homem do botijão de gás. Outro dia
subiu com seis botijões no avião e ficou ameaçando de jogá-los
em cima do acampamento. Esse é o tipo de coisa com a qual estamos lidando.
Sabemos que há setores atrasados nesse país, mas como esse não
tem dimensão. Nós estamos confiantes de que a Polícia Federal
vai agir em cima desses grupos e dessas pessoas.
GH: Vocês têm alguma promessa do governo federal no sentido de resolver
esse problema das milícias?.
João Paulo Rodrigues: A única informação que temos
é a de que a Polícia Federal está monitorando. Sabe de
todos os casos, porém não conheço nenhum fazendeiro preso,
nem seus capangas.
GH:Voltando ao caso do Pontal Paranapanema, que providências o MST está
pensando em tomar com o caso da Diolinda e José Rainha? João Paulo
Rodrigues: Nós não queremos trabalhar o caso da Deolinda e do
José Rainha isoladamente. Temos 23 presos e não dá para
personalizar, que são todos da mesma história, embora não
tenham a mesma fama do Zé. Mas todos têm a mesma situação
de condenação, como é o caso de Mineirinho. Então
nós entendemos que são todos presos políticos do movimento.
Estamos iniciando e ampliando uma campanha nacional GH: Vocês têm
conceitualmente o caso deles como de presos políticos?.
João Paulo Rodrigues: Sim. A acusação que existe contra
eles é de formação de bando, de quadrilha, e porte de arma.
Na nossa avaliação são todos presos políticos. A
condenação da arma do Zé Rainha não resulta em nenhuma
pena daquela natureza de regime fechado sem sequer poder recorrer em liberdade.
Então, há perseguição nítida e em todas as
outras prisões também, porque todas as outras prisões foram
com arma e todo mundo sabe que José Rainha usava uma arma para se defender
em razão das ameaças de morte que ele viva sofrendo em virtude
das denúncias que fazia diariamente. Ele pedia segurança e garantia
de vida à polícia, o que nunca houve. Então a única
forma que ele encontrou para preservar sua integridade física foi andar
com uma pessoa armada do seu lado, que não era nem dele. Era do motorista.
Um segurança particular.
GH: E os outros?.
João Paulo Rodrigues: Os outros estão acusados de formação
de bando e quadrilha. Onde é que se viu falar que um movimento que junta
um grupo de mil pessoas é formação de bando ou quadrilha?
Ora, isso é ridículo! Uma interpretação que um juiz
desses faz de um movimento popular é uma loucura.
É um doente, precisa de psicólogo. Nos outros casos também
é isso. Temos, por isso, muita preocupação de que outras
prisões virão com esse caráter político.
GH: O que vocês vão fazer para tentar tirar esses presos da prisão?.
João Paulo Rodrigues: Estamos iniciando uma campanha nacional pela liberdade
dos presos políticos do MST. Ela tem duas características: uma
no Brasil, com os vários formadores de opinião e nos meios de
comunicação, para que sensibilize o Poder Judiciário dessa
barbaridade que alguns setores estão cometendo. A segunda é em
nível internacional, onde o MST tem uma boa relação com
as organizações de direitos humanos, OEA e assim por diante, para
que possam olhar o Brasil com preocupações. Não podemos
admitir que isso aconteça. São campanhas que vamos fazer com a
sociedade. Não temos dinheiro para pagar grandes advogados. Não
temos o interesse de cair em provocações e fazer uma luta de massa
em função disso. A nossa luta de massas é pela reforma
agrária e não ir lá brigar com fazendeiros, pôr fogo
no Fórum. Não se trata disso. Nossa luta é contra o latifúndio
e pela reforma agrária.
GH:O que vocês esperam do governo quanto a esse problema?.
João Paulo Rodrigues: Sabemos que o governo brasileiro tem de tomar posição
sobre o assunto. Não podemos ficar reclamando do Judiciário sem
que o Executivo intervenha. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, tem de se pronunciar sobre esses casos. É uma barbaridade. Não
se pode permitir isso no Brasil. O caso de José Rainha e de Mineirinho,
presos em penitenciárias de segurança máximas, das mais
máximas que existem no país, nas quais são vigiados 24
horas por uma câmera, 10 dias sem poder entrar ninguém, se fala
através do vidro e por telefone, não pode entrar livros, rádio,
televisão.
Raspam a cabeça. Todos eles estão com a cabeça raspada.
Isso é uma humilhação para essas pessoas que lutam por
um país melhor. Isso nos deixa extremamente preocupados, pois caso não
se faça nada, isso pode se estender para outros movimentos sociais.
GH: Nesse caso do Pontal, especificamente. sabe-se que o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, está jogando gasolina na fogueira. Bom, o Alckmin
é um potencial candidato à Presidência da República
nas próximas eleições.
Então ele está fazendo um certo jogo, moderando de um lado por
causa da reforma tributária, de outro ele está querendo instrumentalizar
essa questão do Pontal do Paranapanema para acirra os ânimos e
atingir o governo Lula.
Você acha que isso pode acontecer?.
João Paulo Rodrigues: Isso faz parte daquela avaliação
que falei. A junção de setores do Poder Judiciário com
os governadores de oposição que querem se aproveitar da situação
para atrapalhar a governabilidade do governo Lula.
Temos muito claro que o problema da violência não é um problema
do Lula, que é diferenciado dos setores de esquerda do PT e de outras
organizações que acham que o governo Lula é traidor. Não
podemos achar que a prisão de José Rainha tem que ver com o governo
Lula. Não podemos achar que as prisões e a violência no
Pontal é um problema do governo Lula. Justamente é que a direita,
a oposição vem nos provocando para criar um problema para o governo
Lula com o objetivo de fazer com que ele não funcione. Pelo contrário,
entendemos que o governo Lula é amigo do MST e quer fazer a reforma agrária
com todas as suas limitações. Historicamente, acreditar que o
governo Lula ou o Lula vai reprimir trabalhadores aí sim seria uma traição.
Mas isso não é um pressuposto verdadeiro.
GH: Fale um pouco dessa CPI do MST.
João Paulo Rodrigues: Tenho pouca informação sobre isso
se ela foi aprovada ou não. Ali a CPI funciona na base da troca. Não
temos nada a perder com a CPI. Achamos que ela vai ser boa. É limão
para que nós possamos fazer uma limonada. Vamos mostrar melhor o MST.
Se acontecer a CPI, vão acontecer três coisas: as fazendas superfaturadas
que foram pagas pelo governo anterior.
Um absurdo os valores. Em segundo lugar vão encontrar possivelmente um
sem terra acampado, com um monte de filho, pobre que está há quatro
anos atrás de um barraco para morar. E a terceira, vão encontrar
alta concentração de terras nas mãos de poucos. O MST não
tem estrutura jurídica. Nós não temos dinheiro. O dinheiro
que se repassa para as famílias assentadas é direto do banco para
elas. As fontes com as quais o MST arrecada algum dinheiro é da própria
base. Não tem um caixa centralizado, não tem dinheiro no banco.
O MST não é um movimento armado. Nunca assassinou ninguém.
O MST não tem uma condenação de ninguém que o STJ
não cassou. Então não se trata de um movimento fora da
lei. Somos democráticos e estamos dentro do marco da democracia. Há
uma tentativa de nos empurrar para a clandestinidade, e isso não ajuda
o povo brasileiro em nada. Não é interessante nos ter na clandestinidade.
Não temos por que temer a CPI. Se tiver, estamos à disposição
para mostrar os nossos verdadeiros problemas que é a concentração
de terras.